Conflito Fémuro-Acetabular em Atletas

A dor na virilha e na anca é um sintoma comum entre atletas, principalmente em desportos com grande exigência sobre a anca. Em muitos casos, a origem do problema é o Conflito Fémuro-Acetabular (CFA) — uma limitação mecânica que afeta o rendimento e, se não for gerida, pode levar a lesões mais graves.

Mas o que é o Conflito Fémuro-Acetabular (CFA) e porque afeta tantos atletas?

O que é o Conflito Fémuro-Acetabular?

O CFA é um contacto anormal entre a cabeça/colo do fémur e o rebordo do acetábulo durante os movimentos da anca. Em atletas, este contacto ocorre sobretudo em posições repetidas de flexão, adução e rotação interna da anca — comuns em gestos técnicos como chutar, agachar, sprintar ou mudar de direção. Este conflito reduz a liberdade articular e pode danificar o labrum acetabular e a cartilagem, comprometendo o desempenho desportivo.

Existem 3 tipos de conflito:

  • Cam – excesso ósseo na transição cabeça/colo femoral.
  • Pincer – cobertura excessiva do acetábulo.
  • Misto – combinação dos dois (mais comum em atletas).

Porque o Conflito Fémuro-Acetabular é frequente em atletas?

Em modalidades como o Futebol, Hóquei, Artes marciais, Dança, Ginástica, Ciclismo, CrossFit, Halterofilismo e outros, a anca é levada repetidamente a amplitudes máximas, muitas vezes sob carga ou em alta velocidade.

Este stress repetitivo favorece o desenvolvimento e agravamento do conflito — especialmente se houver predisposição anatómica.
Em atletas jovens, o treino intenso durante o crescimento pode levar ao desenvolvimento de deformidades tipo Cam.

 

O CFA pode comprometer o rendimento mesmo antes de haver dor intensa. Sinais comuns incluem:

  • Redução da mobilidade da anca (principalmente em rotação interna).
  • Perda de fluidez nos movimentos (mudanças de direção, aceleração, gestos técnicos).
  • Dor na virilha durante ou após esforço, que pode irradiar para a parte anterior da coxa ou nádega.
  • Desconforto ao agachar, chutar ou levantar carga.
  • Sensações de bloqueio ou clique articular.

Se for ignorado, o CFA pode levar a alterações compensatórias (lombares, púbicas, joelho) favorecendo o aparecimento de outras complicações e afastar o atleta da competição.

Diagnostico e tratamento

O diagnóstico precoce é fundamental para evitar lesões estruturais e afastamentos prolongados da competição. Para tal, é essencial combinar avaliação clínica e imagiológica:

  • Teste FADIR positivo (Flexão, Adução, Rotação Interna).
  • Exames imagiológicos – essenciais para o diagnóstico

Confirmando o diagnóstico existem duas possibilidades – tratamento conservador e tratamento cirúrgico.

Tratamento Conservador no Atleta

A maioria dos atletas podem ser tratados sem cirurgia, desde que:

  • A carga seja ajustada temporariamente (reduzir amplitude ou volume dos gestos provocativos).
  • Se inicie um plano de fisioterapia específico, com foco na mobilidade ativa da anca, fortalecimento dos músculos estabilizadores e correção técnica de padrões de movimento (mudanças de direção, salto, agachamento, corrida).
  • Se promova uma reintegração progressiva ao treino, com controlo de sintomas e monitorização funcional.

Cirurgia (quando necessária) – Se os sintomas persistirem ou houver lesão do labrum/cartilagem, pode ser necessária artroscopia da anca para reparação ou remodelação da estrutura, seguido de reabilitação pós-operatória. Este procedimento leva a um afastamento do atleta da competição e do treino, sendo expectável o seu retorno entre 4 a 6 meses.

Prevenção e monitorização no treino

  • Avaliação precoce da mobilidade da anca em atletas jovens.
  • Evitar cargas excessivas em flexão + rotação (especialmente se existir dor).
  • Ensinar padrões de movimento eficientes e seguros desde cedo.
  • Incorporar trabalho de controlo neuromuscular, estabilidade e mobilidade no plano de treino seguido ao longo da época desportiva.
  • Monitorizar sintomas de alerta: dor na virilha, limitação de amplitude ou alterações no gesto técnico.

Se te revês em algum dos sintomas que foram descritos, marca já a tua sessão de avaliação e não deixes que a tua dor te limite! Ignorar sinais precoces é o maior risco — intervir cedo é a melhor prevenção.

Ricardo Cardoso, Fisioterapeuta, OF 12565

 

Bibliografia

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